O papel da mulher na sociedade

O nosso trabalho tem por objetivo investigar o papel da mulher na sociedade, mais propriamente nos séculos Séc. XVI e Séc. XIX analisando as obras: Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente e Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco.

Nestas épocas a mulher vivia essencialmente no ambiente doméstico, ou como ajudante nos ambientes sociais, acompanhando a figura masculina, servindo-lhe de adereço apenas. Ocupava um papel secundário na família, dependendo sempre do homem, sendo privada de seriedade da razão e sem liberdade de escolha, obedecer era dever. A mulher era preparada para o casamento, em que o pretendente era escolhido pelo pai. A mulher desta época não tinha identidade, presa ao tradicionalismo, às regras e imposições.

Já desde antes dos séculos XVI e XIX, a mulher ocupava um lugar inferior no âmbito social no que se refere aos direitos e deveres. O homem sempre foi considerado como autoridade e teve seus direitos assistidos, já a mulher era um ser inferior e, de certa forma, sem direitos. Os trabalhos “fora de casa” eram desempenhados pelos homens, os quais desenvolviam as atividades de prestígio como: a política, a filosofia e as artes. Enquanto a mulher estava designada somente aos trabalhos domésticos e às vezes também tarefas que requeriam um esforço maior e um empenho de força muito grande como, a extração de minérios e a agricultura. Muitas destas características são fortemente notáveis em ambas as obras que aqui estudámos.

Farsa de Inês Pereira

A Farsa de Inês Pereira, uma das mais conhecidas obras de Gil Vicente, conta a história de uma rapariga que recusa os papéis preestabelecidos e questiona o destino imposto à mulher na sociedade quinhentista. Esta obra proporciona uma reflexão acerca da mentalidade medieval, tratando-se de uma sátira com intenção moralizadora.

A apresentação de Inês, já no início do texto, é marcada por uma atitude de revolta diante das entediantes tarefas impostas à mulher da época. Só, em casa, cantarola e amaldiçoa a própria condição: “Inês: Renego deste lavrar / e do primeiro que o usou! / Ao diabo que o eu dou, / que tão mau é d'aturar! / (...)"

Na obra, Inês não se conforma com aquilo que é imposto pela mãe, como a obrigatoriedade dos afazeres domésticos, expressando sempre a sua vontade de uma maior indepêndencia fora daquele casulo - "Eu hei-de buscar maneira de viver a meu contento coitada assi hei-de estar encerrada nesta casa como panela sem asa que sempre está num lugar?”.

"Já minha mãe adivinha: folgaste vós, na verdade, casar à vossa vontade? Eu quero casar à minha.” - Neste diálogo com a mãe, deixa bastante claro que pretendia ter liberdade de escolha no que tocava ao homem com quem casaria, uma vez que, durante o decorrer da obra é confrontada várias vezes com a conceção de um casamento arranjado. Perante esta situação, a mãe apresenta-se num papel de amiga conselheira, alertando a filha para os  problemas que terá se se casar com o Escudeiro, personagem pela qual se percebe o machismo que imperava naquela época. Esta perceção é conseguida através do facto de que, para conseguir casar com Inês ostenta inicialmente refinamento e doçura, porém revela no período que antecedeu o casamento o seu verdadeiro caráter. Brás da Mata passa  a ser um homem cruel, autoritário, e bruto. Ele priva Inês do direito de questionamento, de estabelecer contato com qualquer outra pessoa além dele, prende-a em casa e pauta as rigorosas regras que deveriam regê-la enquanto estivesse ausente. Todos estes acontecimentos no primeiro casamento de Inês só vêm reforçar indiretamente a prespetiva que se tinha sobre as mulheres e o seu papel. Apesar de todo o sofrimento e opressão passados pela protagonista da peça vicentina, essa situação chega ao fim quando recebe a notícia que o seu marido havia morrido.

 A partir desse momento Inês sai da posição de dominada e passa a de dominadora no seu segundo casamento com Pero Marques, quebrando muitos dos costume s das mulheres casadas que falamos no início. Pero, um homem mais pacato, generoso e camponês simples, dá-lhe muito mais liberdade, não a reprimindo, como é possível verificar nesta citação: “Inês: Marido, sairei eu agora, / Que há muito que não saí. Pero: Sim, mulher saí vos aí, Que eu vou por aí afora.". Inês assume assim uma atitude  de quebra com a ideologia de mulher submissa, chegando até a trair Pero Marques, o que só realça esta mudança de papéis e alterações no papel feminino.

Amor de Perdição

A visão desta obra foca-se muito no Romantismo. A mulher era vista pelos escritores românticos como um ser distante, que era caracterizada por aquele que a amava atráves dos elogios de que era objeto.

Teresa de Albuquerque, personagem romântica, depara-se com a clausura num convento imposta pelo pai, assim como o casamento arranjado por este com o primo, para impedir o namoro com o filho da família rival: Simão Botelho.

Teresa aparece como figura feminina que quebra as normas sociais, ou o que seria socialmente esperado do seu comportamento. É por isto, vista como uma heroína romântica, com um forte caráter, contrariando a vontade da sua família ou, mais especificamente, do seu pai, fgura de autoridade. Apesar de todos os obstáculos que este coloca ao seu amor por Simão, Teresa continua irreverente enviando cartas secretamente ao seu amado e lutando contra o casamento arranjado, refletindo em temáticas como a fé na justiça divina e as injustiças cometidas em função dos preconceitos da época, que se colocavam como obstáculo entre ela e a felicidade que desejava com o seu amado. Esta representa um confronto com a sociedade e os seus valores, uma mudança social, na medida que recusa submeter-se a grande parte das ordens que lhe são dadas, quer sejam da autoridade paterna, do convento ou da Justiça. Esta mudança social é também representativa e consequente da então decorrente Revolução Francesa, que muda significativamente o papel da mulher na sociedade ocidental, e é neste ambiente que Teresa se encontra, justificando em parte, este desafio à autoridade.

Para justificar isto, temos alguns excertos em que é demonstrada a faceta de Teresa que contém uma atitude de desafio, quer seja à autoridade paterna quanto ao casamento com Baltasar ("Meu pai... (...) mate-me; mas não me force a casar com meu primo! É escusada a violência porque eu não caso!", Capítulo IV), à recusa de ser freira ("- Freira?! A isto não pode ninguém obrigar-me!, Cap. VII), e a completa negação no que toca a esquecer Simão ("Não, meu pai. O meu destino é o convento. Esquecê-lo (Simão) nem por morte. Serei filha desobediente, mas mentirosa é que nunca.", Cap. X). Nestes excertos, para além da revolta de Teresa, vemos implícito muitos dos papéis preestabelecidos para a figura feminina que referimos no início, pois, uma vez que se recusava casar com o pretendente escolhido pelo pai, amava alguém não digno aos olhos deste, foi renegada ainda mais à sua liberdade e enviada para o convento, como uma forma de contenção dos seus desejos.

Mariana, a segunda mulher da obra de Camilo Castelo Branco, demonstra-nos também outra visão feminina daquela obra, uma vez que provém de uma classe mais popular, inferior à dos protagonistas. É esta que cuida de Simão durante o tempo que este se encontra afastado da sua amada, criando uma grande paixão por ele em segredo, uma paixão sem esperanças de reciprocidade, devota e leal. Mariana representa o espírito de sacrifício que se encontrava presente nas mulheres da época, devotando a sua vida a Simão e suicidando-se por este também, trabalhando sem igual para o bem-estar do personagem, o que pode ser interpretado como um simbolismo para a submissão feminina ao homem, ainda que esta seja voluntária; assim como uma referência à imensidão de trabalho doméstico pelo qual as mulheres eram sujeitas, não conhecendo outra realidade.

Teresa e Mariana, de Amor de Perdição, são personagens altivas e ativas, que procuram intervir nos acontecimentos, possuindo uma visão mais realista de mundo, quebrando a norma.

Ilações

Como foi visível, em ambas as obras é possível denotar inúmeros pontos comuns no preconceito em relação à posição da mulher na sociedade, apesar da distância temporal de três séculos. Vê-se pouca ou nenhuma evolução, uma vez que a mulher continua numa situação de submissão à figura masculina, onde lhe é expectável a dedicação à vida doméstica e à aceitação de casamentos planeados fora do seu consentimento. Ambas se encontram num papel quase de “revolucionárias”, pois saíem da norma e colocam os seus desejos como prioridade, ousando pensar e desafiar tudo o que lhes era comum, tomando atitudes que, para a época, eram impensáveis e inaceitáveis; o que simboliza esta tal rebelião feminina presente em ambas as obras, que  demonstra a transformação do que aqui estudamos: o papel da mulher na sociedade.

Ao olhar para os dias de hoje, vemos a imensa evolução do papel da mulher, embora ainda sejam visíveis "rastos" do que um dia os nossos antepassados viveram. Para muitas mentes antiquadas, a mulher deveria continuar com o seu papel de devoção à família e ao lar, o que ainda se nota na expectativa implícita existente de que esta o faça, mesmo dentro das suas recentes liberdades. Continuamos a ser vistas como inferiores em muitos aspetos, apenas referindo à situação ocidental. Em sítios como o Médio Oriente, a situação da mulher é idêntica ou pior ainda da do século XVI, sendo tratada como um objeto para uso do homem. Por todas as mulheres em todos os cantos do mundo, é preciso lutar e marcar a nossa posição.

Adriana Gonçaves, Beatriz Ataíde, Daniela Mendes, Inês Neves, 12º E

Apresentação da obra em prezi nesta ligação.